A Locomotiva e o Tigre

Quando a Derrota tem sabor de Vitória

Num domingo nublado, a faculdade de educação física de uma grande universidade ofereceu uma manhã de corridas para crianças até 12 anos.

Fui eu e meus filhos: um casal de 9 e 12 anos. Ao final, fizemos uma corrida de revezamento em família, 4×100. Só que minha família estava em 3. Ou seja, fiquei com os 200 m finais.

Estava confiante, pois me julgava em boa forma física.

Dada a largada, minha caçula terminou os primeiros 100 m em 5º.Meu filho, pernudo, conseguiu recuperar 2 posições.

Os líderes da competição eram os integrantes de uma família de orientais, que já tinham batido meus filhos, com folga, nas disputas individuais.

Iniciei meus 200 metros finais buscando o mais velho e mais forte deles: um rapaz de 12 anos que, arrisco, trabalhava na roça e/ou como feirante, puxando enxada e carregando caixas pesadas.

Meu trecho era um desafio, em razão de ser mais longo que o dos meus adversários. No entanto, era também uma vantagem, pois eu não tinha que passar o bastão para um quarto integrante da equipe, o que implica em desaceleração do terceiro integrante e aceleração do quarto.

Comecei a correr na ponta dos pés, calçados com o único tênis que eu tinha disponível: uma chuteira de futebol de salão.

Coxas subindo até os 90º com o quadril, mãos esticadas e braços balanceando os movimentos das pernas. Sentia-me como uma Locomotiva a todo vapor.

Fiz a terceira curva ainda acelerando e a quarta em velocidade total, com o corpo inclinado para dentro para compensar a força centrífuga.

Nem notei a ultrapassagem do 2º colocado e já percebia a distância para o 1º reduzindo rapidamente.

Quando passei, como uma flecha, pela linha final dos 300 metros, onde os demais competidores aguardavam suas equipes, pude sentir seus olhos sobre mim e ouvi um único comentário: “Nossa!”.

Sentia-me o filho do vento. Eu estava determinado a vencer e confiava na vitória. Mas não contava com o último integrante da equipe em 1º lugar: o Tigre.

Não tinha mais que 1,30m e sua camiseta era muito grande: enfiada dentro do shorts, parecia uma paraquedas azul atrapalhando sua evolução na corrida. Mesmo assim, ele corria! E muito!

O cansaço começou a chegar para mim na medida inversa à minha distância para o Tigre: quanto menor a distância, mais cansado em ficava.

Ainda assim, sentia que conseguiria superá-lo, mesmo faltando poucos metros para a chegada. Na linha de chegada, pais, mães, filhos, crianças, adultos, professores e alunos, acompanhavam os momentos finais daquela manhã lúdica, entre nuvens e chuviscos.

Estávamos quase empatados, mas eu ainda estava atrás por um braço. O mais intrigante, é que o tempo passava lento para mim. Conseguia ver e avaliar o que acontecia, ouvir comentários, minha visão periférica estava ativa…

Foi então que percebi o grave erro que estava prestes a cometer: ganharia de um garotinho de menos de 10 anos. “- Meu Deus, Max, é assim que você vai comemorar a vitória: ganhando de um garotinho?” “- Mas ele é bom! E os irmãos dele também! Estou dando tudo que tenho! Será uma vitória justa!”“- Mas é um garotinho! Está todo mundo torcendo para ele, não para você! Olha quanta criança a sua volta, todos sonhando em ganhar de um adulto!”“- Mas …”

Então, faltando um palmo para empatar com ele, eu gritei a plenos pulmões: VAI, VAI, VAI!… e o Tigre ganhou da Locomotiva…. e os Vagõezinhos reclamaram com a Locomotiva…. e a Locomotiva ficou feliz com sua atitude…, porque não facilitou para o Tigre… e porque foi derrotada por ele.

No final, o Tigre cumprimentou a Locomotiva com um sorriso lindo, um aperto de mão e um “obrigado, tio”. Quero crer que ele agradeceu pela disputa. “- Eu que agradeço pela lição, Tigre.”

Por Maximilian Köberle


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