Futebol no Campo

Por Maximilian Köberle

“Era uma vez uma pai cujo pai jamais o levara no campo para ver um jogo de futebol. Então, esse pai quis levar os filhos numa partida do seu time do coração. Mas ele não contava com os feitiços que teria que enfrentar…”

Imagina a seguinte situação: você confirma a tabela do campeonato estadual e aquele jogo bom do seu time realmente vai acontecer na sua cidade, às vésperas de um feriado prolongado, às 19:30. Você tem tempo suficiente para chegar em casa, comer alguma coisinha, colocar a camisa do time e ir até o estádio.

Manda uma mensagem para a patroa convidando-a e planeja ir, ao menos, com seu filhão que adora futebol e sua filhinha que adora pipoca e picolé no estádio. Doce ilusão.

A patroa liga e diz que não está muito a fim e que planejou receber a visita da sua cunhada e da sua afilhada. Primeira baixa. “Bom, tudo bem”, você pensa, “fico um pouquinho e ainda posso ir com as crianças”.

Pega o filhão na escola e anuncia o plano: ele vibra de alegria! Chega em casa e anuncia para sua filhinha: ela adora e sai correndo para por a camisa dela do time. Aí a patroa se queixa de desarranjo intestinal. Você pergunta: “quer que eu fique em casa”, torcendo pela resposta, mas ela apenas entorta a boca… Suspense…

A cunhada chega com a sua afilhada, que é uma fofura, e a sua filha desiste de ir – segunda baixa – mas, cabisbaixa, encomenda um picolé. Você diz que compra um no dia seguinte. Ela insiste que quer um do campo. Você pensa: “como é que eu vou trazer um picolé? Vai derreter, é óbvio!”. Mas promete trazer e ela abre aquele sorriso lindo.

A patroa tenta um último artifício para você ficar em casa: “nuvens pretíssimas no céu, vai cair aquela chuva”. Puts, agora f… Corre para a internet, na previsão do tempo. Checa um, dois, três sites: barra limpa, previsão de tempo bom, ufa.

A patroa engata uma quinta no papo com a cunhada e quase nem liga quando você sai. Pede os documentos do carro dela (primeiro erro) – que é menor e mais fácil de estacionar – e sai com o filhão (ok, programa só de homens, sem problemas).

Andam 5 minutos e você decide ligar o rádio (segundo erro) para ouvir os comentários iniciais. Começou a Voz do Brasil. Você tenta a AM: “onde é a AM neste rádio…”. De repente: “bam”, tsssss… “-Maldito buraco, maldito rádio!”. Você respira fundo e aproveita a deixa para ensinar o seu filho: “viu, na direção você deve estar sempre atento, nada de ficar mexendo no rádio”.

Sem problemas, você já trocou o pneu algumas vezes e até se julga rápido nisso, ainda dá para chegar no comecinho do jogo. Abre o porta malas do carro que você deu para a patroa pelos 10 anos de casados, e que você ainda está pagando no aniversário de 11 anos.

Seminovo, triângulo decente, que para em pé mesmo com a ventania dos carros que passam a mil por hora. “-Filho, coloca lá atrás no canto da rua”, você diz. E ele: “- E se alguém passar por cima”. “Não tem problema, melhor no triângulo que em mim”, você diz.

Levanta o carro, tira a roda amassada, torcendo para que não tenha rasgado o pneu. Pega o estepe, que parece meio murcho e começa a pensar que, além do óleo, você deveria ter cuidado da calibragem do estepe dela também, por segurança. Mas crê que só está um pouco murcho, que vai dar para chegar no posto. Troca a roda e começa a baixar o carro. A roda vai baixando junto e você vai torcendo para que o pneu pare de baixar antes que o aro encoste no asfalto e… que desilusão: murchinho.

Bom, aí você respira fundo, de novo, e liga para a patroa, afinal, ela que deixou de calibrar o pneu. Ela chega, você põe a roda no porta malas e manda ela sozinha para o posto mais próximo. De lá ela liga: “pneu furado. Tem um prego. Borracheiro fechado. Plantão só no bairro há 15 km de onde vocês estão.”

Agora, ver o jogo só por um milagre. No rádio, 35 do primeiro tempo: 0 x 0. Ela volta, você tenta andar com o pneu murcho mesmo, mas o aro começa a encostar no asfalto e você desiste. Encosta o carro no acostamento, de grama (terceiro erro).

Deixa a patroa em casa, segue com o filhão companheiro (é bom para ele ver como é) e mentaliza aquele seu borracheiro conhecido. No caminho para num posto, que indica uma possível borracharia mais perto: fechada (hoje tá difícil acertar uma).

Aí você segue para aquele plantão mesmo, com a esperança de que o borracheiro não seja do time arquirrival e não te cobre “bandeira 2” pelo conserto. Pela camisa, não é do rival, mas o time dele também está jogando: “-Quanto está o seu jogo?”, você pergunta, e ele: “-Não sei, não estou vendo” .

Ele diz que tem que deixar a roda, para por no torno. Você pede só para ele dar um jeito, para você conseguir tirar o carro de onde está. Roda de aço. Ele dá meia dúzia de marteladas e fica ótimo. Seu filho diz que a TV está ligada na novela…: não se fazem mais borracheiros como antigamente!

O preço do conserto é o valor da sua entrada no jogo (criança não paga), fim de mês, grana curta e o 2º tempo vai começar. Você começa a pesar o custo e o benefício. Será que ainda dá tempo de ver a segunda etapa?

Corre para casa, pega a patroa, que te deixa onde o carro está e vai embora. Beleza, agora está fácil, mais 5 minutos e seguimos viagem… Passa pela sua cabeça: “-Será que esse macaco na grama vai dar certo? Seria muito azar se o carro caísse…” Por via das dúvidas, coloca o pneu embaixo do carro, ao lado do macaco (quarto erro) e aproveita a nova deixa: “- Olha filho, se o carro cair, ele apoia no pneu.”

Dica: deixe o pneu meio afastado do macaco, para que este não fique prensado entre o carro e o pneu se o macaco tombar… Liga para a patroa de novo e pede para ela voltar com o carro para você pegar o outro macaco. É ela quem arruma umas tábuas, para apoiar os dois macacos. Ergue o carro, tira o macaco prensado, coloca a roda consertada, aperta os parafusos e… 1 x 0, para o seu time, fim de jogo, líder. Ufa, finalmente, uma notícia boa…


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