“- É um jipe 54, também conhecido como cabeça de cavalo, porque a sua frente é mais alta que a versão anterior. Nós estamos reformando-o aos poucos. Quando o compramos, os bancos estavam amarrados com arames. É um carro muito forte, foi feito para enfrentar a guerra.”
Marsala não era fã de carros, mas achou interessante a história daquele e seu espírito jovial impeliu-a a pedir para Karl:
“- Me leva para um passeio?”
A feição de Karl se fechou, ele olhou para o jipe tentando ouvir o que o carro dizia e respondeu:
“- Ele ainda não está em condições de trafegar com segurança…”
Mas Marsala, com um sorriso maroto que derretia Karl, foi logo dizendo:
“- Ora, vamos, a gente fica só nas estradas de terra e longe da cidade, por favor?
Há tempos Karl estava para dar uma volta no jipe, porque ele precisava rodar um pouquinho. E, como conhecia as peças recém trocadas e as que precisavam de reparo, achou que poderia dar conta da tarefa.
“- Ok. Mas temos que correr para pegar o pôr do sol no alto das montanhas. Você vai amar a vista.” – disse ele com aquele olhar entusiasmado que contaminava todos.
Terminaram de tirar a capa que protegia o carro da poeira e montaram no jipe. Karl olhou nos olhos de Marsala tentando adivinhar seus pensamentos enquanto girava a chave da ignição. O ronco do motor de 4 cilindro, à gasolina, espalhou-se pelo ambiente revelando que aquele carro ainda tinha muita força.
A casa de campo de Karl ficava num vale aos pés de uma cordilheira de montanhas que subiam rapidamente dos 1.500 metros de altitude para 3.500 metros. Como superar subidas íngremes era uma das grandes habilidades daquele jipe, subir as montanhas era o obstáculo perfeito para exercitar o carro, mostrar à Marsala a força do veículo e, o melhor de tudo, levá-la para um lugar romântico na esperança de romper com a resistência que ela tinha às investidas conquistadoras de Karl.
Quando eles chegaram ao topo da montanha, pareceu que o tempo parou. Prenderam suas respirações instintivamente de tão impressionados que ficaram com a vista. Era possível ver por quilômetros a extensa cadeia de montanhas que havia diante deles. Também viam as nuvens aninhadas nos vales parecendo lagos de algodão. O céu cheio de nuvens esparsas naquela tarde de outono encontravam-se com as montanhas no horizonte o que gerava uma vontade de estar exatamente no ponto em que um encontra o outro.Quando voltaram a respirar, sorriram, se entreolharam e comentaram a vista:
“- Lindo!” disse Marsala, boquiaberta, com um sorriso na boca e um brilho nos olhos, que encantavam Karl.
“- Impressionante!” – Karl já não sabia se estava se referindo à vista ou aos lábios de Marsala que ele olhava com vontade de beijar e morder, fazendo-o morder seus próprios lábios.
Foi o susto de Marsala com a forte descida à frente deles que acordou Karl de seu devaneio. Parecia uma descida mais íngreme que a subida.
Imediatamente, Karl levou seu pé direito ao pedal do freio. Mas quando apertou-o, ele foi até o fundo, sem resistência alguma.
Num milésimo de segundo, Karl lamentou não ter consertado aquele pequeno vazamento de fluído de freio, nem ter completado o fluído antes de sair. Enquanto isso, seu corpo recebia a maior descarga de adrenalina que já sofrera, disparando seu coração para bombear sangue para todo o corpo.
“- ESTAMOS SEM FREIO!” – gritou Karl enquanto pisava e bombeava o pedal do freio na vã esperança de que isso reduzisse o rápido ganho de velocidade do jipe à medida em que desciam montanha abaixo.
Marsala parecia uma gata apavorada segurando-se no painel do carro com a mão direita, no banco com a mão esquerda e com os pés quase furando o piso do jipe de tanta força que fazia:
“- PUXA O FREIO DE MÃO!”
Karl berrou de volta:
“- NÃO TEM!”
“- ENTÃO ENFIA A RÉ!”
A velocidade já estava alta. Karl lutava para controlar o jipe das curvas de terra e pedras soltas. Nenhuma proteção os separava dos precipícios ao lado da estrada. Parecia que dirigia numa pista de sabão pois era mínima a aderência do veículo ao solo.
Então Karl enfiou o pé na embreagem tão rápido quanto pode e, com toda a sua força, puxou a alavanca do câmbio para a esquerda e enfiou para frente onde ficava a marcha ré, torcendo para que a marcha entrasse logo na primeira tentativa.
Por um instante, ele ficou aliviado de perceber que a ré entrara, ao mesmo tempo em que soltava de uma vez o pedal da embreagem.Imediatamente a roda traseira direita do veículo travou fazendo o carro rodar.
Antes que pudessem pensar em alguma coisa, o jipe tinha rodado para a direita e a traseira esquerda do carro estava em rota de colisão com uma rocha à beira da estrada.
Os dois olharam para trás e não viram nada além da montanha do outro lado da garganta. O jipe bateu na rocha e começou a capotar em seu eixo longitudinal e de costas.
Karl e Marsala nada podiam fazer senão segurarem-se o mais firme possível enquanto o cinto os segurava e alguns objetos soltos dentro do jipe voavam para todos os lados. O jipe capotou uma, duas, três vezes, descendo a encosta da montanha, fazendo tanto barulho a cada quicada que os dois fecharam os olhos quase perdendo os sentidos.
Foi quando tudo ficou quieto de repente, apesar de – ainda de olhos fechados – sentirem que o carro ainda estava girando. Parecia que tinham chegado ao céu, tamanha a tranquilidade que seus ouvidos transmitiam a eles. Quando abriram os olhos perceberam que estavam certos: o carro ainda estava girando e estavam no céu. Mas, para o terror deles, estavam descendo, não subindo, e em queda livre.
Mal se deram conta da situação e o silêncio foi rompido por uma pancada violenta e ensurdecedora, acompanhada da invasão de uma enorme quantidade de água para dentro do jipe. A água gelada que descia das montanhas num rio de corredeiras rápidas que corria pelo vale foi útil para que recuperassem seus sentidos.
Ambos tiraram seus cintos, entreolharam-se e compreenderam que tinham que sair do jipe.
Quando saíram do carro, enfrentaram a correnteza com as últimas forças que tinham para nadar até margem esquerda do rio onde desmaiaram sobre os cascalhos.
Por Maximilian Köberle
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